Eu odeio àquelas horas depois do almoço e odeio esse espaço no coração da minha mãe que é cheio desse Deus sem rosto e da sua própria incerteza em me olhar com alguma clareza: os seus olhos ainda continuam em mim, me repreendendo. Pois eu só vivo neste instante em que eu posso chorar livremente, sem o medo de errar ou de ser quem eu sou, porque do lado de fora tem essa terrível sensação aterradora de que estou indo em direção ao meu próprio fim, sem aquela simbólica esperança de me reviver em outro estado ou em outra vida, enquanto o tempo me engole com o meu egoísmo e floresce nessa minha solidão culpada – ainda sou eu quem tem que lutar contra todas essas invenções e obrigações.
Agora, durante todos esses dias eu fico desesperado para viver todas as coisas possíveis que ainda me restam, mas eu não alcanço sequer a metade delas. E mesmo que seja possível alcançar tal vida com minhas próprias mãos, ainda não seria totalmente essa liberdade que ainda busco nas menores coisas, tanto que me esqueço de todo o resto. Está tudo aqui dentro do meu coração, aquela chama que é o amor perdido que algum dia vai me roubar à vida. Dentro dessas horas nuas, cada vez mais perto do coração selvagem que é essa liberdade na minha própria tristeza. No entanto, eu vivo como se pudesse realizar todas essas incertezas profundas e com os dias sozinho e sem nada pra fazer, eu vou aguentando o tempo de voltar para casa e me esquentar com alguma alegria corriqueira; de volta aos meus sonhos infantis e de volta até onde meu tempo congelou. Mas a vida que cresce ao redor das minhas mãos junto ao desejo de me libertar são coisas que me mantém acordado. Incansavelmente me cobrem de uma delicada imensidão profunda e gloriosa dentro dessa tempestade ansiosa de palavras e pensamentos do dia a dia.
Agora só sou eu e essa minha fome, aquele medo de nunca ser o suficiente para mim mesmo, por sua causa ou por qualquer outro detalhe pertinente dessa minha vida inteira que sequer chegou a me trazer alguma luz. E tudo vai de novo afundando com minhas orações sangrentas de verdades que cuspiram em mim com o trabalho de me ater na sua própria miséria, enquanto eu sequer cheguei a escolher um lado. E dirão com a esperteza de alguém que sequer sentiu na pele qualquer dureza – “Está tudo na sua cabeça!” – e essa insuficiência que me tranca nas minhas melhores mentiras, disfarçadas de possibilidades e emoções de momento em momento, logo só por um instante de coragem, rasgando em mim uma verdade-sem-medo. E eu tento o meu melhor, juro! – dizendo que nunca é o suficiente para você acreditar que eu realmente estou lutando com tudo de mim. E tudo o que resta para mim são essas pétalas secas e esses brotos que custam a germinar, enquanto a culpa me engole sem qualquer hesitação. Como uma onda que se alastra sem demora... No final das contas, eu estou cada vez mais tocando o chão do meu próprio desespero que eu poderia somente ficar lá, à deriva. Vivendo cada instante; existindo nos minutos e desejando mais alguns segundos na balança do mundo. Portanto, não seria tão difícil viver com essa sombra nos meus olhos, ou qualquer que seja o tom que fica agora depois que tudo está acabado: no final nada muda enquanto o coração fica despedaçado por coisinhas bobas. E eu tento me livrar dessa dor, e perdoar todo o descuido comigo mesmo, mas quando vejo meu rosto a refletir no espelho, ainda são pequenos instantes em que sou novamente engolido por esse mar gelado.
Então eu afundo minhas próprias mãos na terra fria e molhada e respiro o suor que cobriu minha testa em um segundo, e ainda que meus lábios permaneçam secos e frágeis depois que você me deixa, sinto os meus olhos ainda desesperançosos perseguirem a perfeição que eu não posso manter – aparentemente demais pra qualquer um que seja corajoso o bastante para vivê-la. Entretanto, nós sempre estamos tão infelizes e alegres que mal chegamos a compreender toda essa confusão que leva nossa própria mente tão longe, e nós sempre fomos tão infelizes e alegres pelas coisas que poderíamos conquistar ou não.
Afinal, estamos todos doentes e cansados de todo esse ódio e desamor que ignoramos tudo aquilo que passa dentro de nós mesmos e acabamos afundando ainda mais em ideias falsas e refúgios de areias das quais relutamos a sair. Somos todos estranhos um para o outro, e isso é uma parte que não podemos apagar ou mudar, ainda que toda sociedade nos diga qual é o certo a seguir – ainda precisamos viver todas essas nossas diferenças igualmente na busca da vida completa e harmoniosa –, mesmo que a todo o momento tentamos nos desprender delas, sempre incompletos e ocos, enquanto vivemos neste mundo de aparências. No final, somos todos erros de tentativas ainda mais erradas de outras tentativas que originam-se de outras tentativas de acertar. E há essa possibilidade de nunca acertar sempre, pois há toda uma energia negativa que ronda todo o espaço dentro de nós mesmos, aqueles medos e aqueles sentimentos que nos paralisam. São momentos que vem e vão. Momentos cheios de desespero; de terror; de cansaço e de uma luta interminável. Mas há aquele dia oculto. Um dia que cresce ávido e poderoso. Que nos preenche no calamitoso instante e esvazia-se dessas coisas sem importância, e atravessa toda essa dor intransponível aos juvenis dias da nossa alma. Afinal, somos tudo aquilo que precisamos.
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