Review: MILAGRE DOS PEIXES - Milton Nascimento (1973) / escrito por Walef Matias


“Meu Pai, se possível, afasta de mim este cálice! Todavia, não seja como eu quero, e sim como tu queres” (Mateus 26:39)


Você que está chegando agora, prepare porque esse não é um post alegre. A intenção é vir com o sentimento de "criança agressiva". Se você viu o nome desse blog, já sabe que não vamos "passar pano" para religião nenhuma. Enfim, avisos dados, agora vamos ao que importa: a música.

O mais que consigo é dizer: álbum icônico. Um álbum feito com intuito de mudança e pedindo mudança. Porém, tentaram calar a voz do nosso protagonista de hoje: Milton Nascimento. 

Mas, como em toda história, temos vários personagens que podem ter tanta importância quanto o que protagoniza, então vou ter que apresentar algumas pessoas que possivelmente vocês nem lembrem o nome até o final do texto. Mas a vida é assim: alguns passam fazendo coisas consideradas divinas e são considerados criminosos, enquanto outros são criminosos considerados divinos.

A história começa com o chamado Milagre Econômico (sic) que durou entre 1969 e 1974, no Brasil. Porém, após a Crise do Petróleo de 1973, tudo foi por água abaixo, e se foram os peixes e pães. Milton Nascimento, atento a essa mudança acontecendo, resolveu fazer um "milagre" na Música Popular Brasileira.

No ano anterior (1972), ele gravou o álbum Clube da Esquina, com várias participações (mas essas são cenas dos próximos capítulos), porém a gravadora do Milton na época (EMI) não gostou do excesso de participações no álbum, o que quase causou uma ruptura entre o Milton e a gravadora.

Porém nesse álbum, a gravadora aparentemente apostou muito na música do artista mineiro, em um álbum com 5 músicas instrumentais e 6 músicas com letra. Entretanto, pelo alto teor político do álbum, que já no título mostrava-se descrente quanto ao tal Milagre Econômico da época e utilizava de conceitos judaico cristãos, o governo da época na Ditadura Militar, sendo essas: "Escravos de Jó", "Hoje É Dia De El Rey" e "Cadê".

Com essa informação começa a nossa epopéia: o milagre de Milton Nascimento. Com somente 3 músicas com letra, ele ficaria totalmente limitado e com o álbum com 8 músicas amplamente instrumentais. Contudo, ele não se deixou abalar. Pegou o espaço que parecia vazio, e encheu com algo mais experimental do que ele já prometera para sua gravadora. Agora vamos às faixas:

"Escravos de Jó": a faixa tem vocal de Clementina de Jesus, ícone do samba. Foi uma das faixas censuradas e fala sobre a rotina do trabalhador brasileiro, que sempre corre o risco de ficar análogo a escravidão.

"Carlos, Lucia, Chico e Tiago" tem um tom enigmático, e foi concebida para ser instrumental.

"Milagre dos Peixes" traz consigo o nome do álbum, e mostra com exatidão o sentimento de Milton, de prosseguir mesmo em um momento de dificuldade.

"A Chamada" é uma música triste, em que não se ouve muitas palavras, porém as vozes estão muito presentes. Nas palavras que podem ser identificadas, ouvimos Milton dizendo que está cansado e pede ajuda.

"Cadê" é outra faixa censurada, que tem um tom mais "rock" e por ter sido censurada é amplamente instrumental.

"Pablo Nº2 (A Festa)" é de longe a música mais animada do álbum. É uma música que não tem letra, mas o sentimento de comemoração é possível ser sentido.

"Temas dos Deuses" foi concebida para ser instrumental também, e é carregada de um tom sério, em que violinos e flautas se misturam a violões e baterias.

"Hoje É Dia de El-Rey" era para ser uma discussão entre pai e filho, mas por ter contexto político em parte da música, foi censurada e ficou praticamente instrumental.

"A Última Sessão de Música" dá uma sensação de fim de festa, em que a felicidade acabou e só os restos sobraram. Era a última música do LP com 8 músicas, e depois eram apresentadas 3 músicas extras em um disco menor. Música inteiramente instrumental.

"Sacramento" cita os 7 sacramentos da Igreja Católica: batismo (e um banho de cinzas batizou), penitência (e o mais que consigo é dizer), eucaristia (o amor), crisma (no crisma de busca assumi), ordem (de noivo de pobre me tornei), unção dos enfermos (três pessoas vieram me pedir: não morra) e matrimônio (com o pranto calado me casei) [obs: interpretação própria desse que vos fala, que teve muita ligação com o catolicismo, mas hoje não tem mais].

"Pablo" é a música mais bonita do álbum. Feita especialmente para o filho de Milton, que deu nome a canção e cantada pelo irmão caçula de um de seus maiores colaboradores no seu álbum anterior (Clube da Esquina), sendo Nico Borges a voz e Lô Borges, seu irmão e colaborador de Milton. É a última música do álbum e denota um possível reinício e a existência de um ciclo.

Após esse álbum, houve uma apresentação ao vivo no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, que foi gravada em álbum e foram inseridas fotos da apresentação nesse material. Após um tempo, Milton recebeu ameaças, principalmente de sequestro a seu filho Pablo. Se viu obrigado a se exilar fora do Brasil em alguns países. Ficou 20 anos sem ver seu filho, que estava nos primeiros anos de vida na época do lançamento desse álbum. Um fato muito triste, que muitos não ficaram sabendo, e nomes que foram esquecidos por alguns. Para quem não entendeu o que postei por último na outra plataforma, vai aí mais uma referência bíblica. A quarta feira é a fronteira na Semana Santa, entre o final e início de um novo ciclo. E como alguns bem sabem, no domingo acontece a ressurreição. Espero vocês para a próxima resenha ou qualquer outra coisa e peço uma coisa: não morra, que o mundo quer saber, as coisas que a vida não te impôs, a morte que sempre a te perdeu e o amor que teus olhos sabem dar.


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